sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Salamandra

Enquanto Ys viaja e namora, minha câmera passeia por um quarto de hotel em Los Angeles. Vejo Tarinha, Paul "Mars" Taylor, Micael e uma caixa de presente recém-chegada da Irlanda. Bem poderiam ser estas as reações, não é?


O garoto… será que é quem? Será que sou eu, hein? *Jardim de Êxtases levando, lavanda, menino pelas mãos, pela voz de Tarinha. Senhora Burke, ah, o sobrenome roxo e ouro antigo rodeado pelo coral fosforescente de “Senhora” chegava em ondinhas na memória de Micael, mas, de onde é que vinha? Ele quase capturava o nome grudado a alguma vivência, perdendo-o no próximo piscar do tempo mais rápido, bem mais rápido que as pestanas lourinhas dele. Micael tinha se aproximado muito da caixa, dos gestos de Tara enquanto ela ainda nem abria a caixa cilíndrica.*

Abre, abre! Será que sou eu o garoto? Mas, como assim? Eu conheço minha sogrinha, conheço? *Chegava a dar pulinhos, o corpo róseo de vida e estátua se movia como um flamingo esticando pernas para o voo. O repouso engraçado do pinto e das bolinhas de filhote se coloria de espera e graça, como se fosse dançar com os dedos vivos da filha a receber o presente da Irlanda.* Burke! Sinéad Burke! Hahahahahahahahaha!*Ele prendeu os cabelos em alto coque, pondo-lhes um palito chinês de madrepérola em tons lilases e rosados, mas, voltou a soltá-los e a prendê-los duas ou três vezes, terminando por os deixar pendendo sobre os olhos aflitos.*



Ela nunca deu bola pra mim, nunca, e a gente ‘tava junto em muitos desfiles,muitos...*Nesses momentos, a voz dele quase adulta se unia à de menino, quase em contraponto. Micael não pensava mais para se contar Lestat, incapaz de notar se havia algum desconforto em Mars que o ouvia. Ele nem percebia o desconforto no próprio coração, no corpo ansioso, oscilante entre as identidades. Rodeando Tara, Mars e o presente, o menino peladinho oscilava em adultices sem força, tomado por memórias de décadas atrás. Uma torrente das lembranças recentes, do dia mesmo, se juntava ao passado fashion e marroquino, a estúdios e passarelas europeus e americanos, a ensaios fotográficos nos quais o Príncipe dos Moleques iluminava roupas e estilistas, muitas vezes quase muito perto da modelo irlandesa, nunca perto demais que Lestat pudesse dizer que a fodera, comera e outros verbos ignominiosos tão ao gosto da falsa falta de classe que ele ostentava em meio à lírica androginia aprisionada pelas ávidas lentes dos mesmos fotógrafos enredados pelo fogo nos cabelos de Sinéad.*

Ai... Hank bem falou que tinha um presente hoje, um presente, Tarinha! É pra mim, é? Que que é, hein? Mars... eu vou ganhar outro presente! Só que vou contar pro Mark que a gente se beijou, isso foi um presente também, e é quase meu aniversário, faltam três dias... Como a mãe da Tarinha sabia? Ela é uma bruxa, sim, senhor, ela nem sabe que eu sou eu, nem sabe! Vou pedir pra ela fazer uma magia...*Calou-se, só um pouco, esperando a abertura do presente por Tarinha. Isso demorava, ele retomou as palavras como fitas.* ... uma magia pro Mark deixar a gente chupar ele... e namorar todo mundo junto, eu vou pedir, e ninguém vai virar salamandra.