domingo, 15 de abril de 2012

A carne alegre: raio de sol no som de Perfume Genius


Ys vai escrever  “a carne é alegre” numa ode ao corpo de Micael habitado por seus gestos louros e sua pele rósea vistos por Najima, a esposa de Yussuf, velho amigo do sufista Malik Barka. Será uma página do Purple Rain que está por vir.

Essas quatro palavrinhas me tomam  em lentidão, procissão de arrepios e vontade de dormir dopado. Antes, passeio entre elas, caio no espaço entre “a” e “carne”, espreitando entre “carne” e “é”, para deslizar em “alegre”, vendo desmoronar ao menos cem anos de melancolia. Talvez ninguém venha a nos ler e ninguém saiba o que representa essa expressão, mas, a mim ela veio como uma revelação sobre o que estou fazendo antes mesmo de Ys aparecer com sua mágica palavra, a carne de seu verbo reverente à beleza.

Eu tenho sono, um sono devorador de segundos e raios de sol e raios de lua, eu tenho sono agora quando escrevo, eu tenho muito sono. Isto não é ruim, não é desistência, é somente uma entrega ao segundo que passa entre uma letra e outra, mesmo depois que meus olhos e minha mente leram o trecho inteiro, postado só para mim, em janela do msn. 


Leio. A carne é alegre quando Micael sente a água lhe banhando o pinto rosadinho duro, na banheira, sob os cuidados da mulher .

Alegra-me descrever Micael na chegada feliz ao Marrocos, duas décadas depois de quando ele ainda era adulto e Lestat, ainda era imortal, rockstar e top model enfeitando capas de revistas, parando o trânsito em outdoors que ostentavam o belo traseiro dele em fio dental, provocando acidentes graves, levando as prefeituras de Londres e Paris a proibirem o anúncio da Calvin Klein. Hoje, menino de 15 anos, ele se enfeita de graça e glória, a glória de dar docinhos ao cavalo mágico Enbaii e noivar com a morena Tarinha, filha de Malik Barka.

Ele se sente pequeno, a propriedade dos Barka lhe parece tão maior e mais dourada como se o sol estivesse mais generoso doando ouros ao lugar para o enfeitar. O ouro da tarde exorbita e o envolve na textura morna da carne juvenil, atingindo a textura surpreendentemente madura da carne escrita por Ys. Todo entrega, o menino pertence à mulher que o banha, veste, perfuma e penteia. Não necessita mais do opium de Malik para sentir o espírito pulverizado nos móveis, nos raios de sol formando ângulos agudos no mármore do chão, nas flores que colorem a casa.

Tudo pulsa em respeitoso silêncio rompido pelo zumbir de abelhas e pela música constante do universo, pelos olhos invisíveis espreitando entre uma porta e um corredor, olhos de nada, olhos que a imaginação quase febril de Micael constrói na pura alegria de ver-se impregnado daquelas paredes, daquele sol, impregnando cada pétala de imensos crisântemos brancos e amarelos.

As pétalas lhe parecem grandiosas e se movem, enrolam-se nas pernas dele, nuas, nos braços, no torso, nos ombros, na cinturinha, no traseiro, o pegam no colo e lhe acariciam o rosto, sobre as sobrancelhas lhe passam dedos florais, sobre os olhos pesados de sono, calam uma palavrinha abrindo-se nos lábios dele e o aconchegam para dormir.


Sinto-me prestes a adormecer como Micael, vendo no youtube a graça desta canção em que a alegria da carne escrita por Ys se metamorfoseia na delicadeza de um no colo de outro, nas íris brilhando enquanto os lábios ganham a tintura rósea do batom mal espalhado.



Não há nada ali, nada, a não ser beleza e silêncio, o espaço entre o gesto e a sensação nos convidando a estarmos no colo dos sons. É só isso, um convite. Um convite para sermos confiantes e nos sentirmos pegos nos braços daquilo, de qualquer coisa, que nos acolha e possa mais do que nós, porque sem o sopro da nossa própria delicadeza, estamos perecendo.





Não há nada ali depois do raio de sol, 
há somente o momento em que precisamos de batom nos lábios e sombra colorida nos olhos. Encontro da alegria da carne com a veneração do silêncio. Isso é a frase de Ys, a pulsação viva de Micael no colo-perfume-genius, tremeluzindo.