Ys vai escrever “a carne é alegre” numa ode ao corpo de Micael habitado por seus gestos louros e sua pele rósea vistos por Najima, a esposa de Yussuf, velho amigo do sufista Malik Barka. Será uma página do Purple Rain que está por vir.
Essas
quatro palavrinhas me tomam em lentidão,
procissão de arrepios e vontade de dormir dopado. Antes, passeio entre elas,
caio no espaço entre “a” e “carne”, espreitando entre “carne” e “é”, para
deslizar em “alegre”, vendo desmoronar ao menos cem anos de melancolia. Talvez
ninguém venha a nos ler e ninguém saiba o que representa essa expressão, mas,
a mim ela veio como uma revelação sobre o que estou fazendo antes mesmo de Ys
aparecer com sua mágica palavra, a carne de seu verbo reverente à beleza.
Eu
tenho sono, um sono devorador de segundos e raios de sol e raios de lua, eu
tenho sono agora quando escrevo, eu tenho muito sono. Isto não é ruim, não é
desistência, é somente uma entrega ao segundo que passa entre uma letra e
outra, mesmo depois que meus olhos e minha mente leram o trecho inteiro, postado só para mim, em janela do msn.
Leio. A carne é alegre quando Micael sente a água lhe banhando o pinto rosadinho duro, na banheira, sob os cuidados da mulher .
Leio. A carne é alegre quando Micael sente a água lhe banhando o pinto rosadinho duro, na banheira, sob os cuidados da mulher .
Alegra-me
descrever Micael na chegada feliz ao Marrocos, duas décadas depois de quando
ele ainda era adulto e Lestat, ainda era imortal, rockstar e top model
enfeitando capas de revistas, parando o trânsito em outdoors que ostentavam o
belo traseiro dele em fio dental, provocando acidentes graves, levando as
prefeituras de Londres e Paris a proibirem o anúncio da Calvin Klein. Hoje,
menino de 15 anos, ele se enfeita de graça e glória, a glória de dar docinhos
ao cavalo mágico Enbaii e noivar com a morena Tarinha, filha de Malik Barka.
Ele
se sente pequeno, a propriedade dos Barka lhe parece tão maior e mais dourada
como se o sol estivesse mais generoso doando ouros ao lugar para o enfeitar. O
ouro da tarde exorbita e o envolve na textura morna da carne juvenil, atingindo a textura surpreendentemente madura da carne escrita por Ys. Todo
entrega, o menino pertence à mulher que o banha, veste, perfuma e penteia. Não
necessita mais do opium de Malik para sentir o espírito pulverizado nos móveis,
nos raios de sol formando ângulos agudos no mármore do chão, nas flores que
colorem a casa.
Tudo
pulsa em respeitoso silêncio rompido pelo zumbir de abelhas e pela música
constante do universo, pelos olhos invisíveis espreitando entre uma porta e um
corredor, olhos de nada, olhos que a imaginação quase febril de Micael constrói
na pura alegria de ver-se impregnado daquelas paredes, daquele sol, impregnando
cada pétala de imensos crisântemos brancos e amarelos.
As
pétalas lhe parecem grandiosas e se movem, enrolam-se nas pernas dele, nuas, nos
braços, no torso, nos ombros, na cinturinha, no traseiro, o pegam no colo e lhe
acariciam o rosto, sobre as sobrancelhas lhe passam dedos florais, sobre os
olhos pesados de sono, calam uma palavrinha abrindo-se nos lábios dele e o
aconchegam para dormir.
Sinto-me prestes a adormecer como Micael, vendo no youtube a graça desta canção em que a alegria da carne escrita por Ys se metamorfoseia na delicadeza de um no colo de outro, nas íris brilhando enquanto os lábios ganham a tintura rósea do batom mal espalhado.
Não há nada ali, nada, a não ser beleza e silêncio, o espaço entre o gesto e a sensação nos convidando a estarmos no colo dos sons. É só isso, um convite. Um convite para sermos confiantes e nos sentirmos pegos nos braços daquilo, de qualquer coisa, que nos acolha e possa mais do que nós, porque sem o sopro da nossa própria delicadeza, estamos perecendo.