domingo, 1 de novembro de 2009

Madame Bovary, Maldoror e Lestat de Lioncourt


Link da imagem:
http://kolaboy.deviantart.com/art/Le-repos-de-Lucifer-2592661
É preciso levar em conta que estávamos seguindo livros de sistema e os de Anne Rice para interpretar nossas personagens por escrito. Ambos retratam uma sociedade inexistente, de seres que foram humanos e se tornaram sobrenaturais, tiveram de mudar hábitos, posturas, leis, criar códigos próprios, incluindo os alimentares, porque se tornaram predadores de humanos. Vampiros precisam beber sangue vivo, de gente viva. A literatura do gênero penetra nos labirintos da alma humana, nos cantos mais obscuros e assustadores. De minha parte, eu desejava investigar isso de pertinho, por meio da palavra. Por muitas vezes fui acusado de crimes que não cometi, os quais abomino completamente, uma vez que não sou um vampiro, não sigo os valores deles, não tenho as necessidades deles. Não vivo em um mundo que pode ser chocantemente amoral para nossos padrões.


Nos livros de Anne Rice é descrito o amor de Louis e Lestat por Claudia, a menininha de sete anos que eles tornam vampira; e o de Marius, um historiador romano que foi transformado em vampiro, por volta dos 30 anos, e Armand, um menino russo de 17 anos, que foi vendido por mercadores a um bordel de Veneza, na Renascença. Esses amores fazem parte do universo dos vampiros riceanos. Interpretando Lestat, preciso levar em conta o fato de ele ser tecnicamente morto, inumano, amoral. Como escritor, pretendo aprender mais sobre o ser humano, entrando em contato com o ponto em que a inumanidade nos ameaça. Sou contra o assassinato, evidentemente, contra a violência, contra todo tipo de desrespeito à pessoa humana, seja ela adulto ou criança. Sendo assim, não compactuo com todos os atos e posturas da personagem. Meu objetivo é compreender-lhe a mente, emoções, percepções, sempre levando em conta o fato de que Lestat pertence a uma outra espécie. Mergulhando em um universo em que as leis são subvertidas pretendo aprender mais sobre nós mesmos: os seres humanos.


Se minhas personagens são criminosas, doentias, vítimas de criminosos, eu não as posso renegar, nenhum escritor pode. Minha função é mostrar esse espelho à humanidade assim como muitos outros fizeram antes. Gustav Flaubert não era a favor do adultério ao escrever Madame Bovary, ao contrário, ele desejava compreender os motivos para o adultério, investigando a alma de uma mulher adúltera. Assim como Isidore Ducasse (pseudônimo: Lautréamont) não fazia apologia do puro mal do horror, ao descrever os crimes da personagem Maldoror nos Cantos de Maldoror. Por certo, Ducasse (ou Lautréamont) não era favorável a estupros, pedofilia, canibalismo etc. Mas, mesmo assim, ele teve de descrever as cenas em que um buldogue estupra uma menininha, ou as cenas em que um humano copula com a fêmea do tubarão.


Sendo assim, o leitor deste blog/livro precisa levar em conta que não estou fazendo apologia dos crimes de minha personagem, apenas estou buscando compreender melhor quando esses crimes acontecem no mundo real. Afinal, precisamos de leis, precisamos de afeto, de compreensão, porque nós, seres humanos de verdade, somos frágeis, somos incompletos, podemos ser culpados, podemos ser heróicos. Entre um polo e outro desconhecemos a nós mesmos. A ficção é um dos caminhos que inventamos para nos conhecermos melhor. Nas cenas que virão, Lestat mais uma vez estará aos beijos com um menino de 16 ou 17 anos, um menino-vampiro, morto como Lestat, e, os que seguirem a narrativa, verão esse menino tão ou mais criminoso que o Senhor dele. Mais importante que o menino é Bettina, a alemã que mostrará a Lestat que ele mesmo não passa de um menino.

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