domingo, 11 de julho de 2010

Quem tem medo de Micael Al-Hareck?



Jogar comigo nunca foi muito fácil para a maioria dos parceiros. Mesmo os melhores, mais cultos e bem preparados acabam me abandonando. Curioso é que não por motivos pessoais, não por falta de gentileza e respeito de minha parte e deles, na maioria dos casos. Eles se afastam por MEDO. Um pavor quase pegajoso de mergulhar na abissal e escura face do ser humano.

Não pensem que escrevo esta confissão me vangloriando porque persigo o mergulho, porque ambiciono o abismo sem fim do que se chama “alma”, “espírito”, “psique”, “consciência”, “ego”, “id”, “subconsciente”, “inconsciente”, não, eu não estou contente por este feito.

Porém, ir fundo na investigação dos sentidos, sensações, percepções, opiniões e ações que envolvem minhas personagens e das que com elas se relacionam é um imperativo, sobretudo porque todos os seres cujas existências descrevo não são humanos comuns, normais, cotidianos, na verdade, são seres míticos, sobrenaturais, sobre-humanos.


Se fossem mortais e comuns, ainda assim, o que me interessaria era mergulhar nos seres espirituais deles e dos afetos e desafetos que os cercam, no mais recôndito de seus segredos, onde se escondem perigosos sentimentos, desejos, amores, temores e propensões que ultrapassam as convenções sociais, os regulamentos institucionais da civilização.

Busco tornar-me vidente do que muitas vezes não quero enxergar em nenhum de nós, estes humanos, aquilo que o desregramento dos sentidos em si, sem o amparo da linguagem, não é capaz de mostrar, de tornar nítido


A palavra escrita é minha lente, meu telescópio, meu microscópio, meu escafandro, meu traje espacial. Por meio dela alço voos e despenco nas profundezas, tentando, via ficção, sentir as redes neurais – minhas, das pessoas e do universo –, buscar aquilo que nos torna humanos e pode ser inumano, terrível, assustador e comovente, para compreender melhor o que estamos fazendo no mundo e como podemos fazer de um modo melhor para todos.

Escrevo por necessidade, profunda e verdadeira de conhecer melhor a existência por meio da palavra e da interação com o outro. Minha arte é compartilhada, o mergulho e o voo exigem companhia. Não sou um escritor de literatura tradicional – a duas mãos. Desde criança, preciso escrever com o outro, para o outro. Preciso que ele seja meu leitor e me faça leitor dele, preciso desse vai e vem que o RPG tornou possível.



Preciso do desafio, da dificuldade, de perceber quando os limites do outro bloqueiam minha expansão e vice-versa. Aceito a dor de encontrar e perder parceiros. Aceito que muitos fujam assustados por não darem conta de ir um passo além. E fico triste quando alguns se vão, muitas vezes influenciados por outros mais temerosos.



Não nego a existência lamentável dos invejosos que sondam os jogos e, quando notam que um parceiro brilhante veio enriquecer minha criação, aparecem do nada, como se fossem velhos amigos retornando, e, usando da palavra quase tão bem quanto eu, mas, sem oferecer os perigos do mergulho e do voo de alto riscos, seduzem os brilhantes temerosos e os levam.



É muito comum, após o retorno de certos “amigos”, ocorrer a desistência de algum novato promissor. Nem quero pensar que discursos trocam, prefiro não incorrer em mania de perseguição. Todavia, quando uma coincidência se repete dezenas de vezes ao longo dos anos, não creio que a deva continuar nomeando “coincidência”. Et voilá... a culpa é de Micael Al-Hareck.


Lestat de Lioncourt – que tomei descaradamente emprestado em homenagem a Anne Rice – é só um portal para a alma humana, para a existência. Micael Al-Hareck, a criança que, em minha interpretação, após dez anos de criação, e mais de 40 mil páginas escritas em chats, ele se tornou, é a passagem mais tenebrosa para o lado escuro de nós mesmos.



Não, não, não! Para o lado de luz ofuscante que não suportamos. A luz é muito mais dolorosa que a escuridão. A leveza dela nos destrói, esse país de luxo, calma e volúpia se torna insuportável à maioria de nós.



Eu quero dizer que compreendo a cada um e a todos que abandonaram os jogos, esse luminoso tecido de fantasia que brinca, na superfície, com uma profundidade arrepiante. No jogo adolescente do RPG, vejo as pessoas recuando e recusando o humano demasiado humano, eu vejo as crianças do futuro reichiano sendo adiadas para mais adiante ainda.



Apesar da melancolia que sinto, agradeço àqueles que desistiram. Agradeço aos que virão, aos corajosos parceiros de investigação, como a player da Nycolle Lacroix, que, por sorte, encontrei na sala de RPG Medieval do UOL, na madrugada de 10 para 11 de julho de 2010. Por quanto durar, Nycolle’s player, merci por se aventurar, com suavidade, leveza e mente limpa, aberta, nesta narrativa em que, juntos, tentamos focalizar um pouco de inocência no meio do caos.



Em uma taverna de New Orleans, o bilionário vampiro setita Rarif-Al-Hareck, seguido do “filho” Micael e os quatro costumeiros seguranças, fala aos três [!] celulares, em constantes resoluções de negócios, deixando o moleque entediado, em busca de companhia naquela taverna que frequentara antes do Katrina, décadas antes, muitas vezes com um dos velhos amores da saga original riceana.



Nesse contexto surge a francesa Nycolle Lacroix, em um jogo que durou das 22:58 às 4:23, feito de leveza, empatia e receptividade. Nycolle é abordada por Micael, em quem reconhece a incrível semelhança com o superstar Lestat de Lioncourt. Lenta, regada a milkshake de frutas vermelhas, a conversa das personagens transcorre entre melancolia, sedução e espanto, tendo como foco não declarado de início a dualidade de Micael e Lestat. Abaixo dois trechos do jogo:

(02:38:17) Micael Al-Hareck reservadamente fala para Nycolle Lacroix: Eu sei... é que todo mundo diz... que... que... PAREÇO com ele...*Um pouco de melancolia ficou patente no destaque ao verbo “parecer”...Merci... quero dizer, ele, ele, né? Ele ia gostar de ser chamado de ...criativo, eu... eu... acho....*Os lábios dele chegavam a tremer.* Mas, sabe?, eu acho que não era nada de marketing, não, acho que o cara era mesmo um ... um... vampiro! *Mordia os lábios,entrelaçava as mãos, era muito claro o nervosismo do menino.* Você... acha... ele... ele... bonito? *A voz se tornara mais baixinha, era bem nítida a infantilidade de Micael, uma infantilidade marcada por inocência e angústia. Nycolle era bonita, lhe dava atenção, falava direito com ele, no entanto, lhe parecia cada vez mais inatingível, porque poderia ser mais uma a dar-lhe um fora, dizendo que ele era fake, que havia as leis, ele era menor e coisas assim, frases que lhe jogariam na cara que ele não tinha como ser Lestat de Lioncourt, por mais que se parecesse com o roqueiro. Ao menos se essa versão infantil fosse um+

(02:39:01) Micael Al-Hareck reservadamente fala para Nycolle Lacroix: pouco arrogante e petulante, talvez Nycolle o achasse mais similar. O que quer que tivesse acontecido àquele menino fizera dele um ser muito suave para ser o tal vampiro. O moleque parecia mais frágil do que Lestat se contara como o menino de Auvergne, aquele que, com essa idade de 15 anos, matara, sozinho, oito lobos, no inverno da aldeia natal. Aquele que, aos 13, trepava com as mulheres casadas da aldeia e o vilarejo de Auvergne. Mas, naquele tempo, ele não tinha sido raptado por Deus e pelo Diabo, não tivera o olho esquerdo arrancado pelo capeta, nem viajado pelo tempo e sido beijado por Deus na Crucificação, como, aliás, ele contara em um livro chamado “Memnoch”, publicado em 1994,e que, certamente, parecia o mais ficcional de todos, o mais absurdo, extrapolando qualquer estratégia de marketing. +

(02:39:22) Micael Al-Hareck reservadamente fala para Nycolle Lacroix: O fato era que Nycolle Lacroix era visitada pela sorte nessa noite em uma taverne de New Orleans. Dependeria dela de que a visita assinasse no coração dela o nome imortal de Lestat de Lioncourt, vigiado, ali de pertinho, pelos adoradores de Seth, que a estudavam naquela interação com a sorte e a criança sagrada da Camarilla.*

(02:43:53) Nycolle Lacroix (reservadamente) fala para Micael Al-Hareck: (Estou adorando ele. Verdadeiramente.)

(02:45:02) Micael Al-Hareck reservadamente fala para Nycolle Lacroix: Obrigado, espero que não desista dele, as pessoas que jogam comigo desistem, sempre, por causa dos mesmos motivos que levam as personagens a desistirem do Micael/Lestat: medo.]

(02:54:45) Nycolle Lacroix (reservadamente) fala para Micael Al-Hareck: - Eu também acho...*Nycolle sorria ao ver o nervosismo do menino. Mas aos poucos foi passando a admira-lo de uma forma estranha quando começou a falar sobre vampiros. O olhar dela mudou e os olhos agora semi-serrados pareciam analisa-lo enquanto ele falava.* - Eu não sei se posso afirmar essas histórias de vampiros, Micael. *Ela falava sem saber definir muito bem até onde ia sua crença. Talvez no fundo acreditasse. Mas não queria mostrar naquele momento.* - Você parece acreditar nisso fielmente, não...? *Olhou os lábios do garoto e as pequenas marcas que os dentes deixavam logo após serem mordidos por ele mesmo. E desejou beija-los. Mas logo assoprou os pensamentos de sua mente sem muito sucesso, pois o que falaria agora, o faria olhando ainda para eles.* - Eu o acho bonito sim. Acho Lestat muito bonito.... *falou a ultima palavra devagar, delirando com a boca do garoto. Tentava desvencilhar os olhos, o pensamento, mas agora estava mais difícil. Parecia que a cada minuto a dificuldade aumentava. Levantou nova

(02:55:00) Nycolle Lacroix (reservadamente) fala para Micael Al-Hareck: Levantou novamente uma das mãos e percorreu um pequeno pedaço da mesa com a ponta dos dedos, em direção ao garoto, como se quisesse novamente toca-lo. Mas, com um pouco mais de dificuldade que anteriormente, recuou, arranhando a garganta e se recompondo.*

(02:56:04) Micael Al-Hareck reservadamente fala para Nycolle Lacroix: Poucos jogadores conseguem este tipo de interação: "*Olhou os lábios do garoto e as pequenas marcas que os dentes deixavam logo após serem mordidos por ele mesmo", uau!

(02:56:16) Nycolle Lacroix (reservadamente) fala para Micael Al-Hareck: (Espero que o medo não seja suficiente para me fazer desistir)

Nycolle’s player, congratulations! Espero que sua personagem se torne fixa neste enredo e que você me ajude a tecer com mais rigor, profundidade e alegria os fios desta trama que, na verdade, são somente nossos centros psíquicos e os dos coleguinhas humanos, sejam eles errepegistas ou não.

Links das imagens:
Opium_by_Klemkle:
http://klemkle.deviantart.com/art/Opium-138248348?q=boost%3Apopular+opium&qo=85
Opium_and_Absinthe_by_Eleonore:
http://eleonore.deviantart.com/art/Opium-and-Absinthe-153264625?qj=1&q=boost%3Apopular+opium&qo=407
Opium__by_JoyB:
http://joyb.deviantart.com/art/Opium-105865261?qj=1&q=boost%3Apopular+opium&qo=246
Opium engraçadinho:
http://coffinberry.deviantart.com/art/Collage-of-the-Dead-142280784?qj=1&q=boost%3Apopular+opium&qo=459

Um comentário:

Bernardo Halts disse...

Eu bem que gostei de Micael, ele foi bem... vejamos, legal comigo. Até mais Mic...