domingo, 3 de outubro de 2010

Belle qui tiens ma vie


Esta postagem são fragmentos de meus jogos com Vulpes Sollertes, uma parceira que joga com rara habilidade e uma elegância incomum. Ela inaugura uma nova fase de minha fábula, mergulhando comigo na doçura atemporal de Micael Al-Hareck, o ser em quem se transformou Lestat de Lioncourt. Não busque no excerto, caro leitor, o sentido. Saboreie a amostra que, talvez um dia, traremos a público em meio impresso. As cenas escolhidas hoje são escritas por mim. Talvez na próxima eu publique a resposta de Vulpes, intérprete de Louise von E. e Bertrand, respectivamente uma abadessa e um templário, vampiros que persistem imortais e atuantes em 2010, visitando a mansão de Rarif Al-Hareck, o pai adotivo de Lestat/Micael:


O perfume do jovenzinho pairava sobre a cena, inadequado, a antiga essência opiácea d’Yves Saint-Laurent, dialogando com a dureza do olhar do Cruzado. Micael não percebia racionalmente o contraste. Podia, entretanto, sentir a força máscula do visitante naquele olhar duro enquanto o menino dava um passo a afastar-se para perceber melhor Bertrand e Louise.Louise era um orquídea rósea e violácea em meio ao verde esmeralda do fino tecido que a separava de Bertrand e Micael. Imortal e feminina, voluptuosa, ele, ao cochichar o que o lourinho não pudera ouvir, acendeu-lhe um pouco mais o ciúme, confusamente mesclado a algo nascente, vindo, talvez, da leveza de Louise interagindo com o poder masculino do Cavaleiro.

O coração de Micael disparou ao reconhecer o significado do que Bertrand era. A “Cavalgadura”, o esperado Templário, em quem o infante buscava o que nem sabia. Consolação para a redenção, que lhe detivesse o rejuvenescimento, ou algo mais pleno que isso, que lhe avivasse os nervos cada vez mais sensíveis e menos poderosos para tanto sentir, tanta epifania em vida e carne. Ligeiros tremores percorriam a pele rosadinha e morna, logo umedecida por suor cristalino e sem cheiro. Um tanto afastado do casal, o menino abraçava a si mesmo, tal que se desprotegido diante dos séculos deles, do sangue de muitas mortes nas veias deles, nos olhares de amantes e predadores cuja força era tão extasiante a um espírito Toreador.Entre os cochichos do casal, um breve silêncio rompido pela voz mansinha de morango e flor, atrevidamente tola.* Senhora, então esse é meu Templário, é?

Olhando direto para a abadessa, o efebo exibia aquele violeta luminoso de contentamento nas íris, alegre como na noite de Natal, reconhecendo o presente esperado o ano inteiro. Bertrand era tão presente e duro, certo de coisas que a criança apenas podia adivinhar. Era  a macheza antiga e segura, a força da testosterona  e das guerras, do oposto perfeito da espiritualidade. Louise era a carne viva do amor contido até a algum ponto que confundia a mente infantil em que Lestat de Lioncourt se consumia, em que, cada vez mais à vontade, se metamorfoseava em pureza e tolice. O menino sabia-se na presença de vampiros, bebedores de gentes, sendo ele somente um mortal jovenzinho e cheirando a vida. No entanto, não os temia assim só por isso, não os abominava, não os queria distantes, ao contrário, os desejava com o fogo do sexo, admirava-os com o espírito de esteta que não morreria jamais.

Estar diante deles era começar a compreender a alma dos “Mercadores de tecidos”, obra de Rembrandt que Lestat sempre tivera como paixão, que Erasmus Antinori Zottarelli fizera roubarem do Museu de Amsterdã, trocando-a por cópia jamais detectada, presenteando o jovem amante, ainda vampiro, com a original. Nos olhos de Bertrand e Louise, Micael notava o mesmo brilho dos olhos dos mercadores, a mesma sutileza com que Rembrandt captara o fogo imortal em suas criaturas, como se o comércio deles fossem as tramas da existência, a urdidura entre carne e espírito. Por nada disso ser pensado em Micael, era avassalador, dava-lhe febre, emudecia-lhe a boquinha que invejava os beijos entre o casal. No possessivo “meu”, ao referir-se ao templário, a inocência dele se tornava carne, permanecendo, porém, de flor e avezinha, de seda e aragem. A força do casal o aturdia, ele olhava, vez em quando, as fibras do tapete, desviando o olhar, esforçando-se para os suportar sem atirar-se aos braços deles, tentando seguir a risca as lições de Papandreus.* Monsieur pode mesmo me ajudar? Ela lhe disse que sou Lestat de Lioncourt? Não precisa se preocupar, eu não namorei ela, não, viu?

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