sexta-feira, 14 de maio de 2010

A matéria negra e o afeto, para Obaldino.

Obaldino, merci, seja você quem for.
Eu sinto a matéria negra que um dia deve ter composto a sua luz, mon cher. Minha alma antiga se alegra por esse depoimento que se tornou o melhor presente neste aniversário de criação literária em RPG na internet. O anonimato que você prefere é cativante, eu compreendo bem.



Feliz ao ler que os jogos influenciaram suas escolhas de carreira, só posso me render à beleza sempre tão grata aos Toreador. Tenho versos de Rilke e Trakl na lembrança, além dos reflexos negros do nosso sol particular: Lautréamont. Ainda o buldogue estupra a menininha e as palavras continuam insuficientes nesta esgrima que Baudelaire apreciava.



Somos epígonos, bem sei. Não, não traduzirei o termo conhecido pelos letrados à turba conformista da era do iPad. Aqui reservo-me o direito de ser mal-humorado, se necessário. Não escrevo para os ignorantes, nem para os arrogantes e pretensiosos, escrevo para os que buscam afeto nas artes e na vida, àqueles que, no entanto, desconfiam da visão adocicada que as diversas formas de expressão costumam oferecer a respeito do afeto.



Não quero, de modo algum, parodiar ou parafrasear Sócrates, porém, todo meu ser só sabe que nada sabe, embora não se conforme com simplesmente não saber. Sendo assim, apesar da memória de versos fulgurantes, de carne e constelações, ofereço, em agradecimento, uma pitadinha do que anda rolando nos jogos atuais, em que Lestat se tornou um ex-vampiro, perdeu os dons, perdeu a idade de adulto, vem rejuvenescendo sem que cientistas-vampiros e cientistas humanos consigam compreender direito o processo, menos ainda detê-lo.



Metamorfoseado pelo sangue de Cristo, que bebeu ainda nos livros de Anne Rice, mais especificamente em Memnoch, o menino usa o nome falso de Micael Al-Hareck, aconselhado pelos tutores dele. Em chat, os jogos se desenrolam graças à atuação de players corajosos que fazem as personagens deles interagirem com esse inusitado Lestat menino, vivo, puro, mas que mantém desejos talvez de adulto.



Tantas vezes já foi dito nas postagens que esta não é a narrativa de um Lestat roubado da escritora norte-americana, mas, sim, a minha história, a deste escritor não publicado, teórico da literatura não consagrado, que escolheu interpretar o vampiro francês nesta nova forma de literatura e teatro por escrito: role playing game em chat. Passados dez anos, o fascínio aumentou, o prazer e os dramas de jogar com a palavra e as pessoas também se amplificaram.



Estou em aprendizado, um aprendizado do medo e do desejo de perder a identidade, de ser abandonado por toda lógica e toda certeza, um aprendizado sobre o humano e o inumano, tal que as personagens de Thomas Mann em A montanha mágica e Doutor Fausto, aqueles teóricos sensacionais, um humanista e outro um teólogo estudioso do Diabo.

Tenho aprendido que o afeto e a matéria negra do universo são dois polos de conhecimento que precisam ser mais e melhor investigados, a cada dia um pouco mais, por todo tipo de artista, filósofo e cientista. De minha parte, a pesquisa acontece nos jogos, como no fragmento que transcreverei adiante, a você, querido amigo – seja quem for – Obaldino.



O trechinho abaixo não é para fazer sentido. É um convite. Pequena amostra, rastro de perfume, miniatura no mostruário das joias, é um excerto de jogo da madrugada de 01 de maio de 2010, na sala RPG 1, do UOL:



Por ser a primeira vez que uma postagem os menciona, defino o termo “Assamitas”, conforme a Wikipédia:



Assamitas: vampiros do Oriente Médio, que fundaram um clã de assassinos, estudiosos e feiticeiros. São uma espécie estranha de fundamentalistas, praticando uma fé que é uma mistura das muitas religiões do Oriente Médio, com a mitologia vampírica. Eles acreditam que a única forma que os vampiros têm de alcançar o céu é se aproximando ao máximo de Caim, e a única maneira de fazê-lo, é reduzindo sua geração. Durante a maior parte de sua história, os Assamitas se dedicavam à Diablerie, procurando sempre chegar ao "Primeiro". Eles se tornam os assassinos mais temidos entre os Membros. Assassinos de vampiros é o que eles são.


(02:50:04) Micael Al-Haref fala para Assamita.: *Imensa a vontade de gritar de tanta vergonha, por sentir-se reduzido à infantil fragilidade. O moleque estava incapaz de dimensionar a glória acontecida, o fato de a delicadeza dele conseguir despertar humanidade e maternidade naquela vampira. Uma sensação quase reconfortante poderia nascer ali, quando ele se acalmasse, mas, agora, sentia-se imprestável, humilhado pelo próprio medo que ganhara a luta contra o desejo. Se estivesse bem e fosse adulto, rasgaria as roupas de Mina e lhe sugaria os seios, vertendo filetezinhos de sangue. Não se enganasse ela, o sangue dos vampiros atraía o infante, ele precisava desse licor de rubi e fogo. Os seios dela o chamavam, chamariam, se ele não estivesse derrotado pela vergonha. Queria ser adulto, másculo, e se urinava todinho, de puro pavor, agora estava sendo tratado com piedade. Nada podia ser mais humilhante que a piedade de um imortal pela presa, nada.+


(02:50:23) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Ele se esquecia de, nos últimos anos como vampiro, ter aderido ao que Marius de Romanus nomeava “ bebida breve”, que consistia no fato de um vampiro sorver apenas um pouco das vítimas, sem lhes tirar a vida. Lestat se esquecia e julgava mal a benevolência da moça. A cabeça apoiada nos seios dela permaneceu algum tempo, até ele recobrar o domínio dos pensamentos perturbados pelo medo, pela vergonha.* Não, eu não vou entrar, eu não posso! *Nervoso, soltou-se do abraço dela, afastou-se, fechando mais o longo casaco, para evitar de ver as calças molhadas, embora as botinhas quase femininas, medievais, o denunciassem, úmidas. Queria gritar que era Lestat de Lioncourt, mas, quem acreditaria? Lá dentro do resort, mas, uma vez, uma canção era cantada por ele nos aparelhos de som ambiente. Uma em que ele se confessava amado pelo demônio, a quem descrevia como “uma alma insone, uma personalidade ansiosa”.* Todo mundo vai rir de mim, você vai rir.


(02:52:29) Assamita. fala para Micael Al-Haref: Ele tem variações fascinantes. De algo sensual pra algo tão bonitinho, tão doce.


(02:53:05) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Eu me esforço para o descrever assim, que bom que você inteligentemente percebe, obrigadinho, hehehe!


(02:58:22) Assamita. fala para Micael Al-Haref: *Sentiu-se muito pior ao vê-lo daquela maneira. O magoara tentando ajudá-lo, que desagradável. Bufou por sua incompetência. Precisaria ser melhor para agradá-lo. Levantou-se de supetão e andou de lá para cá, pensativa. Sabia que o que tinha em mente poderia prejudicá-la, mas aquele anjinho chorando, logo ali, já estava pondo todos os futuros planos em risco, de qualquer maneira. Garotinho enxerido, ousado e inacreditavelmente cativante. Parou sua perambulação ao sentar-se de novo, pegando uma das mãos dele. * Eu posso te levar para lá sem que ninguém o veja assim. Mas você deve me garantir que não vai contar a ninguém. Que tal? Um trato? * Soltou a mão do menino e estendeu-lhe o dedinho, com um sorriso verdadeiro, nada de riso. Apenas um sorriso de bondade, ou tentativa dela.


(02:58:31) Assamita. fala para Micael Al-Haref: Depois de agir feito uma marionete de centenas de anos, teria de descobrir por que lutara com sua decência e regras apenas para agradar um menino que em talvez alguns goles, estaria morto. *


(03:00:24) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Nossa, essa frase final foi maravilhosa, nossa, que sensacional! Eu também me pergunto porque ela faz tudo o que faz por ele que ela ainda mal conhece, e acho lindo que seja assim. Vou responder, amore, e depois tenho e sair ou minha mulher me mata, hahahaha!


(03:00:45) Assamita. fala para Micael Al-Haref: Claro!


(03:12:42) Micael Al-Haref fala para Assamita.: *Facilmente o garoto era cativado pela bondade, pelos gestos simples, pelo aspecto lúdico do que Mina lhe propunha. Aceitou o pacto, entrelaçou o dedinho ao dela, ainda envergonhado, evitando olhar para a moça, como se isso a impedisse de vê-lo, ou seja, pensava erroneamente: " se não vejo, não sou visto". Não era exatamente que pensasse, somente calculava errado. Nem sabia que gostava de estar sendo cuidado. Era bom ter alguém para livrá-lo da vergonha corrosiva.* Você me leva, então? Eu preciso pedir pro meu pai pra ir embora pra casa...*Mais uma vez as palavras tremiam naqueles lábios. Houve um silêncio, no fim do qual Micael voltou a olhar para Mina* Você é uma vampira legal. Acho que meu pai vai querer me matar, mas, eu vou te contar um lance aí...*Falava tão ao modo atual, como um rapazinho qualquer, nascido há tão pouco tempo.* Já ouviu falar de Lestat de Lioncourt, né? Enchanté, c' est moi! *Estendeu a mão a ela, como se fossem apresentados agora, se sorriu. As covinhas nas bochechas ousaram +


(03:13:07) Micael Al-Haref fala para Assamita.: aparecer, iluminando-lhe a jovialidade, todo para Mina, a caçadora de imortais. Não era pó exibicionismo que o menino se identificava a ela, era por defesa, como se se revelando, pudesse se tornar maior, mais importante, sem medo. Se ela era uma vampira, reconhecia a verdade do que o lourinho dizia, a naturalidade de quem é dono do próprio nome, e, por certo, ficaria pasma, afinal, toda a Família sabia que Lioncourt deveria aparentar por volta de 20 anos e era dono de uma irreverente personalidade hedonista, atrevida, adorável, cativante, sedutora. No entanto, diante de Wilhelmina era um andrógino quase infantil, não um andrógino adulto, quem se apresentava, corando, quase pedindo desculpas por não corresponder ao que ela talvez esperasse do mais famoso dos Toreador. E o modo como ele o fazia era uma declaração de respeito ao poder dela, á beleza imortal que a assassina possuía nas curvas firmes, nos músculos resolutos, na voz ora doce ora determinada.*


(03:13:36) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Espero, amiga, que tenha gostado. Eu adorei esta noite, foi um jogo muito caprichado mesmo, obrigado, viu?


(03:13:57) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Eu voltarei no domingo, talvez, não prometo, que teremos visitas, droga, hahahaha!


(03:14:59) Assamita. fala para Micael Al-Haref: Também terei e poxa, adorei o jogo de hoje! Muito cheio de todos os tidos de sensações! Você é divino!


(03:15:41) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Merci, você também é, finalmente alguém do mesmo naipe que eu, hahahaha!


(03:16:08) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Então, moça, boas visitas e diversões aí, certo? Muito obrigado mesmo, se cuidem bem.


(03:16:31) Assamita. fala para Micael Al-Haref: Tenha umbom fim de semana, fofo. Cuide-se e tenham você e sua esposa uma boa noite de descanso!


(03:17:24) Micael Al-Haref fala para Assamita.: Valeu, beijinhos, au revoir.


(03:17:36) Assamita. sai da sala...


Links das imagens:
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9c/Sig06-005.jpg
http://images04.olx.pt/ui/4/21/18/70821318_1-Imagens-de-angelical-cachorros-Yorkie-para-adopcao.jpg

Um comentário:

Rulles disse...

Fantástico. Texto bem elegante e com uma atmosfera realista e madura por parte do criador, mas ao mesmo tempo nos remete à fantasia nostálgica dos nossos sonhos perdidos. Todas as crianças é que deveriam ler o que vc escreve. Deveríamos desde cedo ensinar-lhes as artimanhas da vida, pois assim estariam mais preparadas para serem crianças e depois... bons adultos!